A multidão

Charles Baudelaire, Le Spleen de Paris, XII
Trad. Bruno Reiser

Não é dado a qualquer um tomar um banho de multidão: gozar da multidão é uma arte; e somente pode tomar, às custas do gênero humano, um porre de vitalidade, aquele a quem uma fada insuflou no berço o gosto pelo disfarce e pela máscara, o ódio ao domicílio e a paixão de viajar.
Multidão, solidão: termos iguais e conversíveis para o poeta ativo e fecundo. Quem não sabe povoar sua solidão, não sabe também estar só na multidão atarefada.
O poeta goza desse incomparável privilégio, ele pode, por vontade própria, ser ele mesmo e outro. Como essas almas errantes que buscam um corpo, ele entra, quando quer, na personagem de cada um. Para ele somente, tudo está vago; e se certos lugares lhe parecem fechados, é que a seus olhos não vale a pena visitá-los.O caminhante solitário e pensativo tira uma singular embriaguez dessa comunhão universal. Quem desposa facilmente a multidão conhece prazeres febris, de que estarão eternamente privados o egoísta, fechado como um cofre, e o preguiçoso, internalizado como um molusco. Ele adota como suas todas as profissões, todas as alegrias e todas as misérias que as circunstâncias lhe apresentam.
O que os homens nomeiam amor é bem pequeno, bem restrito e bem frágil, comparado com essa inefável orgia, com essa santa prostituição da alma que se entrega totalmente, poesia e caridade, ao imprevisto que se mostra, ao desconhecido que passa.
Às vezes é bom ensinar aos felizes deste mundo, ainda que seja somente para humilhar por um instante seu tolo orgulho, que há alegrias superiores às deles, mais vastas e mais refinadas. Os fundadores de colônias, os pastores de povos, os padres missionários exilados no fim do mundo, conhecem, decerto, alguma coisa dessa misteriosa embriaguez; e, no seio da vasta família que seu gênio se fez, eles devem rir às vezes destes que lastimam-lhes a tão revirada sorte e a vida tão casta.

Les foules

Il n’est pas donné à chacun de prendre un bain de multitude : jouir de la foule est un art ; et celui-là seul peut faire, aux dépens du genre humain, une ribote de vitalité, à qui une fée a insufflé dans son berceau le goût du travestissement et du masque, la haine du domicile et la passion du voyage.
Multitude, solitude : termes égaux et convertibles pour le poète actif et fécond. Qui ne sait pas peupler sa solitude, ne sait pas non plus être seul dans une foule affairée.
Le poète jouit de cet incomparable privilège, qu’il peut à sa guise être lui-même et autrui. Comme ces âmes errantes qui cherchent un corps, il entre, quand il veut, dans le personnage de chacun. Pour lui seul, tout est vacant ; et si de certaines places paraissent lui être fermées, c’est qu’à ses yeux elles ne valent pas la peine d’être visitées.
Le promeneur solitaire et pensif tire une singulière ivresse de cette universelle communion. Celui-là qui épouse facilement la foule connaît des jouissances fiévreuses, dont seront éternellement privés l’égoïste, fermé comme un coffre, et le paresseux, interné comme un mollusque. Il adopte comme siennes toutes les professions, toutes les joies et toutes les misères que la circonstance lui présente.
Ce que les hommes nomment amour est bien petit, bien restreint et bien faible, comparé à cette ineffable orgie, à cette sainte prostitution de l’âme qui se donne tout entière, poésie et charité, à l’imprévu qui se montre, à l’inconnu qui passe.
Il est bon d’apprendre quelquefois aux heureux de ce monde, ne fût-ce que pour humilier un instant leur sot orgueil, qu’il est des bonheurs supérieurs au leur, plus vastes et plus raffinés. Les fondateurs de colonies, les pasteurs de peuples, les prêtres missionnaires exilés au bout du monde, connaissent sans doute quelque chose de ces mystérieuses ivresses ; et, au sein de la vaste famille que leur génie s’est faite, ils doivent rire quelquefois de ceux qui les plaignent pour leur fortune si agitée et pour leur vie si chaste.

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